Quitutes de Emily Dickinson: Receitas para o Natal

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Nem todo mundo sabe disso, mas Emily Dickinson era uma excelente cozinheira. Aproveitando o clima de festas de fim de ano, pensei em compartilhar (no final do post) uma das receitas mais natalinas – e populares – da poeta: bolo de gengibre (gingerbread).

Emily cerca vez se gabou do fato de seu pai, Edward Dickinson, ter os pães assados pela filha mais velha como seus favoritos. MacGregor Jenkins, que conheceu a poeta quando ele era criança, conta ela tinha o hábito de descer uma cesta pela janela repleta de bolos de gengibre e outros quitutes para ele e outras crianças comerem nos intervalos de suas brincadeiras. Ele narrou esses acontecimentos em seu livro Emily Dickinson: Friend and Neighbor (1930):

Ela era a perfeita companheira de brincadeiras. Nunca participava realmente do jogo, mas estava sempre por perto, adicionando aquele toque de mistério e charme que as crianças sentem e amam. Nós éramos piratas atingidos por uma tempestade, morrendo de fome em uma ilha deserta (a fome desempenhava um papel importante em todos os nossos jogos), algum sinal era dado, uma batida sutil no vidro da janela ou um lenço sacudido, e auxílio vinha de uma fonte inesperada. Nós começamos a meio que esperar por aquilo, mas o acontecimento sempre nos trazia a emoção do inesperado e incomum. Uma janela era aberta, silenciosamente e com o maior cuidado. Eu nunca consegui decidir se o cuidado e deliberação dela eram parte do jogo ou se era para evitar atrair a atenção vigilante de Maggie (uma governanta da propriedade dos Dickinson). Mas a janela era no quarto da Senhorita Emily e logo surgia uma cesta no parapeito da janela. Ela era abaixada lentamente. Eu posso vê-la agora, se movendo para baixo a partir do que parecia para nós na época uma altura incrível. Nós víamos duas mãos delicadas trabalhando em uma corda cheia de nós, e emoldurada na janela uma figura esguia vestindo branco com seu par de olhos risonhos.

Eu nunca vou esquecer o conteúdo daquela cesta. Era tão “Senhorita Emily” quanto poderia ser, e, da mesma maneira, tão diferente de todas as outras pessoas. A cesta sempre continha bolo de gengibre, se era feito por ela ou pela Maggie, eu não sei. Era diferente de todos os bolos de gengibre que eu já tinha comido e de todos que comi desde então. Eram bolos longos e ovais, crocantes e marrons por fora, mas de um tom castanho claro ou amarelo e delicadamente doces e grudentos por dentro. A cobertura era firme e brilhante e frequentemente trazia algum tipo de decoração, uma penny flower ou outra flor pequena.

De forma não-abrupta e com vários gritos de alegria, nós nos aproximávamos deste maná. Ele vinha para nós da forma aceita e adequada e tudo devia ser feito com atenção ao que era apropriado. Então nos aproximávamos da cesta com o devido cuidado, disfarçando, correndo discretamente pela grama, tomando todas as precauções para não sermos surpreendidos e derrotados por selvagens hostis. Finalmente, o prêmio estaria em nossas mãos, uma margarida amassada ou um trevo era incluído na cesta em agradecimento, e ela seguiria em sua ascensão incerta rumo à janela enclausurada.

Para além do relato transcrito acima, sabemos também que em 1857, Emily foi premiada pelo seu pão indiano numa feira local (Cf. GORDON, 2010, p. 92), o que demonstra que a popularidade das suas proezas culinárias não se restringia a amigos e familiares.

Entre os vários manuscritos deixados por Dickinson, foram encontradas, além dos poemas, diversas receitas que foram transcritas e, com o tempo, popularizadas. Muitas outras foram preservadas em cartas que a poeta enviou para amigos. Uma breve busca no Google revela receitas deixadas pela poeta sendo disponibilizadas em blogs e sites de receita (como este ou este). A seção de comentários invariavelmente é preenchida pelas exclamações de cozinheiros satisfeitos com o resultado ao experimentarem com a receita. Em 2011, também foi lançado o livro Literary Eats: Emily Dickinson’s Gingerbread, Ernest Hemingway’s Picadillo, Eudora Welty’s Onion Pie and 400+ Other Recipes from American Authors Past and Present de Gary Scharnhorst  que incluiu receitas de Black Cake, Chocolate Dessert, Coconut Cake e Gingerbread de Dickinson.

Em uma coluna publicada no The Cook’s Cook em 2017, Burleigh Mutén, escritora e guia no Emily Dickinson Museum, contou um pouco sobre como a relação de Dickinson com a culinária e sua comunidade local revela, uma vez mais, que o clichê da figura austera e solitária não reflete a realidade acerca da poeta. Através dos pratos que preparava e compartilhava, Dickinson também distribuía afeto:

Dickinson também compartilhava seus quitutes com vizinhos que estivessem doentes ou que passassem por necessidades, ou apenas porque era algo bom de se fazer. Ela frequentemente enviava uma flor ou um poema junto com alguma coisa que tivesse assado. Quando sua amiga querida, Susan Gilbert, se mudou para Baltimore para dar aulas, Emily enviou para ela balas de chocolate e bolos de arroz que ela tinha preparado na cozinha.

À medida em que se aproxima a época das festas de fim de ano, receitas de Dickinson como Black Cake (similar ao bolo de frutas) e Bolo de Gengibre (gingerbread) voltam a ser compartilhadas com frequência em blogs e redes sociais, devido à popularidade dessas sobremesas na Ceia de Natal. Neste sentido, pensei em compartilhar uma tradução da receita do Bolo de Gengibre da poeta – especialmente popular entre as crianças de Amherst, como pudemos observar – para quem quiser experimentar. Abaixo, compartilharei a receita original, uma adaptação e os comentários compartilhados por Mutén em sua coluna de 2017.

Receita original tal como deixada por Emily Dickinson:

Gingerbread (Bolinho de Gengibre)

  • 4, 65 xícaras de chá de farinha
  • 1 colher de sopa de gengibre
  • ½ xícara de manteiga
  • 1 colher de chá de bicarbonato de sódio
  • ½ xícara de chá de nata
  • 1 colher de chá de sal
  • Quanto bastar de melado

Mutén observa que:

Guias do Emily Dickinson Museum que fizeram essa receita, experimentaram com a quantidade de melado que Emily usava, concluindo que “cerca de uma xícara de chá basta”. Outra variável é a quantidade de farinha. Quando eu fiz, usei 3 xícaras de farinha.

O bolo de gengibre de Emily tinha um formato oval. Se quiser prepara-lo como ela o fazia e não tiver fôrmas ovais pequenas, você pode usar uma assadeira de muffins de ferro fundido. Segundo MacGregor Jenkins, Emily costumava cobrir os bolinhos com glacê e decorá-los com uma pequena flor comestível como amor-perfeito.

Uma das guias do Emily Dickinson Museum me disse que ela coloca a massa em uma fôrma grande, assa por 12 minutos e após esfriar, corta em pequenas barras. Barras certamente seriam mais portáveis no momento de descê-las a partir de uma janela no segundo andar e seriam fáceis de cobrir com glacê, mas se você é como eu, não há nada como bolo de gengibre quentinho com chantilly fresco.

Lembre-se quando ligar a batedeira elétrica e observar enquanto ela mistura os ingredientes rapidamente que a Senhorita Emily não contava com uma dessas ferramentas. Talvez enquanto ela mexia os ingredientes pacientemente, ela tinha tempo para considerar algumas ideias poéticas ou versos. Ela escreveu um poema no verso de uma receita uma vez, e escreveu um no verso de uma embalagem de chocolate parisiense. Ela estava cozinhando quando a ideia para poemas chegavam a ela? Parece provável.

Receita de Bolo de Gengibre de Emily Dickinson

Rende um bolo quadrado de 23 cm.

 

Ingredientes

  • 113 gramas (½ xícara) de manteiga (e manteiga extra para untar a fôrma), em temperatura ambiente
  • 360 gramas (3 xícaras) de farinha
  • 5 ml (1 colher de chá) de bicarbonato de sódio
  • 5 ml (1 colher de chá) de sal
  • 15 ml (1 colher de sopa) de gengibre em pó
  • 118 ml (½ xícara) de nata
  • Cerca de 237 ml (1 xícara) de melado, ou quando bastar
  • Chantilly ou açúcar de confeiteiro, para decorar

Modo de Preparo

  1. Pré-aqueça o forno a 177°C. Unte uma fôrma de 23 cm. Misture farinha, bicarbonato de sódio e o gengibre em uma tigela.
  2. Na batedeira, bata a nata até engrossar, mas não até endurecer. Em outra tigela, bata a manteiga na batedeira até ficar fofa. Junte o creme à manteiga.
  3. Com a batedeira na velocidade mais baixa, adicione a mistura da farinha. Acrescente o melado. Transfira a massa para a assadeira. Pode ser necessário pressioná-la na assadeira por conta da densidade.
  4. Asse o bolo até o topo subir novamente quando pressionado, cerca de 35 minutos. Sirva quente com chantilly ou cubra com glacê, como dizem que Emily fazia, com uma mistura de açúcar de confeiteiro e água.

(Créditos: Burleigh Mutén)

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