Um panorama de Emily Dickinson no Teatro

Standard

Em 28 de abril de 1976, Julie Harris estreava como Emily Dickinson no palco do Longacre Theatre na Broadway com a peça The Belle of Amherst, de William Luce. Podemos olhar para toda a trajetória de dramatizações da vida de Emily Dickinson no teatro a partir desta temporada, que se estendeu por 116 apresentações e rendeu um Tony e um Grammy (na categoria de Melhor Álbum Falado) à atriz, elogiada em resenha publicada no The Wall Street Journal por sua “habilidade técnica e amplitude emocional”*. O jornalista sublinhou, ainda, a capacidade da atriz de “comunicar agitação interior ao mesmo tempo em que exibe alegria de espírito irreprimível”.

Julie Harris como Emily Dickinson

Sob direção de Charles Nelson Reilly, Harris deu vida a 15 personagens no monólogo. Como resultado do sucesso e aclamação da peça, a atriz estrelou ainda numa versão televisiva de The Belle of Amherst produzida e veiculada pela PBS. Harris viajou com a peça pelos Estados Unidos por muitos anos, e em 2001, quando a atriz tinha 75 anos, ela estrelou em mais um revival.

Em 2014, após o falecimento de Harris, Joely Richardson estrelou na peça sob direção de Steven Cosson em temporada no Westside Theatre (off-Broadway) em Nova York.

A peça também ganhou versões e adaptações em outros países e línguas, inclusive no Brasil. Beatriz Segall estrelou na versão brasileira da peça, intitulada Emily, em 1981 sob direção de Miguel Falabella. Por sua atuação, Segall ganhou o Troféu Mambembe (1984) e o Prêmio Governador do Estado (1985).

Analu Prestes como Emily Dickinson. Foto: Renato Krueger

Em 2013, Analu Prestes estreou numa nova adaptação da peça, também intitulada Emily, planejada ao longo de 25 anos por Eduardo Wotzik. O diretor foi contemplado com o Fundo de Apoio ao Teatro (FATE) da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro para a montagem da peça. Em 2013, Emily venceu o edital da Caixa Econômica Federal para circulação de espetáculos e teve temporadas aclamadas no Teatro Poeirinha e no Imperator no Rio de Janeiro.

Na Argentina, The Belle of Amherst ganhou versão em espanhol pelas mãos da poeta Silvina Ocampo. A atriz uruguaia China Zorrilla estreou como Dickinson em janeiro de 1981 no Teatro Solís em Buenos Aires. Após uma temporada de sucesso, Zorrilla fez uma turnê com a peça pela América Latina, encerrando nos Estados Unidos, no palco do Kennedy Center for the Performing Arts, em Washington. A apresentação da peça no Uruguai teve significado especial, vez que marcou o retorno da atriz exilada durante a ditadura para seu país já redemocratizado. Os jornais anunciavam seu “retorno triunfal”: “Ao estrear Emily, [Zorrilla] estendeu uma ponte para reencontrar todos os uruguaios” e “China Zorrilla voltou junto com a democracia: depois de ficar 10 anos proibida de fazê-lo, a popular atriz subiu novamente a um palco de Montevidéu”. Como consequência, a sala onde se apresentou no Teatro Alianza foi renomeada em sua homenagem, “Sala China Zorrilla”.

China Zorrila como Emily Dickinson, Buenos Aires, 1980

Em sua biografia de Emily Dickinson publicada em 2010, Lives Like Loaded Guns, Lyndall Gordon criticou a peça por perpetuar clichês consolidados sobre a poeta ao longo do século XX:

“Em uma peça da Broadway, The Belle of Amherst, uma poeta feminina e delicada mal sabe o que fala, então se ocupa cozinhando. No que toca cozinhar, Emily, como Emily Brontë antes dela, preferia essa atividade às tarefas domésticas, pois a culinária e, ainda mais, a jardinagem, complementam a vida da mente com formas mais práticas de criatividade. No entanto, o que permanece estranho é o cuidado da poeta para se encaixar no modelo desbotado de feminilidade que moldou a geração da mãe dela nos anos 1820, vez que a década de 1830 (o ano do nascimento de Emily Dickinson) é tida como o marco do fim de uma era de isolamento doméstico para mulheres da Nova Inglaterra.” (p. 41)

“Ao mesmo tempo, a lenda branca permaneceria: ainda em 1976, na peça da Broadway The Belle of Amherst, uma poeta “tímida”, “recatada” e “assustada” encanta a plateia com sua feminilidade cativante. O dramaturgo chamou a peça de “empreendimento de beleza simples”.  (p. 157)

Ao longo das próximas postagens, abordarei também as leituras que o cinema fez da vida e obra de Emily Dickinson.

 

* Hischak, Thomas S. and Bordman, Gerald Martin.”Act Two, 1975-1984″. In: American theatre: A Chronicle of Comedy and Drama, 1969-2000 (2001), Oxford University Press, ISBN 0-19-512347-6, p. 102

Extra:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *